ESTATÍSTICA DIÁRIA

ADMIRADORES DAS IDEIAS

domingo, 1 de setembro de 2013

V LIVRO - CRÔNICAS DE UMA CRÔNICA VIDA - 2010 - NATAL/RN






APRESENTAÇÃO


Amiga minha leitora e amigo meu leitor, este livro de n° 05, que passo a escrever em vinte e dois anos em que me aventurei a me autodenominar poeta e escritor, trata-se de um livro realista, quão real quanto a vida que nesse instante estou a viver ante o maior paradoxo de escolher a intitulação deste e de tudo que já pensei e imaginei pensar, enquanto homem, enquanto poeta  e enquanto filósofo; digo isto porque estou sendo verdadeiro tão quanto as crônicas que selecionei para este livro o qual fiz questão de chamá-lo de CRÔNICAS DE UMA CRÔNICA VIDA, porém não muito certo se este é um bom título. Perdoe-me!!!
Talvez a leitora amiga e o leitor amigo venham a cogitar que a Crônica Vida da qual me refiro, trata-se desse que vos escreve, e eu vos direi que estarão completamente certos em pensarem assim, posto que nesse universo humano em que partilhamos ninguém está isento de vivenciar essa Crônica Vida de quem vive escravizado pelo trabalho, pelo casamento, pela cega paixão, pelas drogas, pela alienação imposta da moda e do consumismo, pela miséria de mendigar o pão de cada dia e por tantas outras escravizações subliminares impostas pelos meios de comunicação como a TV, a Internet e seus outros mil acessórios.
Este livro, CRÔNICAS DE UMA CRÔNICA VIDA, procura refletir as várias formas de escravização que possam vir a ser crônica como uma ferida na vida de qualquer pessoa, porém, não estabelece nenhuma receita ou fórmula, porque a dinamicidade da vida vale muito mais do que qualquer norma ou padrão a ser seguido; porém, para aqueles que acreditam, em Deus, nosso ser supremo, (eu nunca deixei de   acreditar  Nele) só a fé é capaz de quebrar toda e qualquer norma ou padrão estabelecido pelo homem: poeta, filósofo, médico, cientista, político...

O Autor



PREFÁCIO


Ao ingressar na Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do RN, conheci o escritor, poeta e filósofo M. C. GARCIA, desde então passei a admirá-lo não só pela sua postura poético-filósofica, mas, sobretudo pela maneira com que o mesmo vive e convive com a vida.
Eu, que sou apenas um simples aprendiz de poeta e um escriba contador de “causos”, fiquei surpreso com seu honroso convite para prefaciar seu sexto livro CRÔNICAS DE UMA CRÔNICA VIDA. No seu livro, M. C. GARCIA estabelece um liame entre o real e o irreal, entre o plausível e o devaneio.
Em CRÔNICAS DE UMA CRÔNICA VIDA, o autor não cria personagens. Ele recria a partir da realidade e de sua vivência com o cotidiano. Nas suas crônicas M. C. GARCIA valoriza através dos personagens não só os aspectos social-poético-emocional, mas, principalmente, o ser como um todo.
CRÔNICAS DE UMA CRÔNICA VIDA não é apenas uma coletânea de crônicas, mas sobretudo o reflexo de sentimentos e fantasias que permeiam as emoções de todos aqueles que, acreditando na sensibilidade do escritor, transformam através da sua narrativa o mundo num universo de Paz e harmonia perfeita entre os homens.



Janilson Dias de Oliveira
professor, poeta e escritor



SERÃO REALMENTE OS FINS DOS TEMPOS?


Sabe-se que o mundo no qual vivemos desde milhões e
milhões de anos que as coisas não são as mesmas coisas de sempre. Percebe-se que há um dinamismo extraordinário em tudo que vemos, vivemos ou fazemos. Vejamos o processo dinâmico que é a própria vida. Eu era criança hoje não sou mais. Vejamos o processo dinâmico que é a nossa cidade, o nosso bairro, a nossa rua. Na minha época não havia água encanada nem luz elétrica e rua calçada, nem se pensar. Por
exemplo, costumo dizer que nasci em Natal, no bairro de Igapó, porém, há quarenta e sete anos atrás, esse outro lado do Rio, como costumam dizer, pertencia a São Gonçalo do Amarante (percebam que não sou quão senil assim). A nossa querida Zona Norte, para mim, era o meu lugar de aventuras aonde eu ia para mata (capoeira) tirar ubaia,
mangaba, guabiraba rasteira ou guabiraba de pau, ingá, maracujá-mochila e outras coisas mais, tudo isso frutos nativos, que talvez, só nessa crônica a(o) gentil leitor(a) esteja tendo a oportunidade de saber que aqui também, um dia, já foi um verdadeiro éden. Éden este em que o meu avô e tantos outros moradores viviam da plantação de roçados onde colhiam feijão, milho, melancia, mandioca, quiabo, maxixe, macaxeira, pepino, para suas sobrevivências. Faziam farinhada e deliciosos beijus, tapiocas e bolo de mandioca. Quem há de imaginar que onde é hoje a CAERN, no Panatis II, já foi o campo de futebol mais famoso deste lado do Rio, onde se deram as disputas mais acirradas entre times famosos daquela época como Igapó F. C. e América F. C. Que a fazenda de Sr. Agnaldo é onde hoje se encontram o Hipócrates e a FAL e que onde é hoje o Nordestão era a fazenda de Sr. Nelton Bacurau. O interessante em tudo isso é que os antigos moradores de Igapó e da Redinha ainda costumam dizer que estão indo para Natal, quando vão à feira do Alecrim ou à Cidade Alta. Não adiantou a ponte metálica de Igapó ser trocada pela de cimento, nem tampouco, a imponente ponte Newton Navarro ser construída e o povo continuará indo a Natal. Aí sim, para essa gente são realmente os fins dos tempos.
Na realidade, estamos nos fins dos tempos e o século XXI tem nos mostrado isso explicitamente de forma extraordinariamente bela, ainda para iniciar este século vimos no Brasil a aprovação da nossa Constituição quão esperada e foi a maior festa democrática que já vivemos até então; vimos a queda do muro de Berlim, o esfacelamento da União Soviética; vemos a ascensão da China mesclada de um
capitalismo-socialista; vimos um operário na Europa ser eleito presidente da sua nação; vimos um Papa quebrar toda a lógica de rei ao sair pelo mundo em nome da paz levando tiro e perdoando o agressor; vimos um país  da América do Sul eleger para presidência uma mulher; vimos no Brasil outro operário ser eleito presidente e depois ser reeleito, agora vemos, pela primeira vez, na história da humanidade, o USA eleger um americano que tem parte da família na África para comandar a nação mais rica do mundo, que também já foi o primeiro senador a ser eleito.
E para se consumar os fins dos tempos realmente, o Brasil terá que se tornar uma potência, pois tem condições para isso, diante a grande crise econômica que está a incomodar o império americano nortista, ou seja, em ter que eleger no próximo pleito para a presidência uma mulher e, aqui em Natal, quem sabe, um filósofo para a Câmara Municipal. Assim sendo, estaremos realmente nos fins dos tempos RUINS, dos tempos das TEMPESTADES para vivermos o começo dos tempos BONS, dos tempos da BONANÇA. Os tempos dos arranha-céus, dos shopping centers, dos espaços de cultura, das bibliotecas, das lan houses, do anime, do cosplay, do saneamento básico, do trabalho para todos, da solidariedade entre cristãos e não-cristãos e, acima de tudo, da consciência política aqui, desse outro lado de Natal, a nossa verdadeira NOVA NATAL e não simplesmente Zona Norte com a conotação de município, como alguns ainda insistem para que não aconteçam os fins dos tempos...



O INEXORÁVEL PROGRESSO


Quando nasci, em Natal, Igapó ainda não tinha a dimensão que tem hoje, e mesmo sendo o bairro mais antigo da Zona Norte, depois da Redinha que já ultrapassa os 400 anos e Igapó parece não pertencer à cidade de Natal por fazer fronteira com a cidade de São Gonçalo do
Amarante, onde muita gente ainda vota por lá, mesmo morando em Natal.
Natal é uma cidade que ainda não tem um milhão de habitantes e aqui desse lado já chegamos a quase 450 mil habitantes. Aqui, desse lado, o qual eu denomino de A NOVA NATAL, não tem rio nem mar, só fronteiras imaginárias que não impedem de fazer Natal mais Natal do que já é, ou seja, extensa, muita mais extensa. Por isso, em pouco tempo, cresceu em população, em emprego, em empreendimento, em infra-estrutura social, cultural, educacional e na saúde. E isto é muito bom para a nossa cidade. Hoje podemos contar com várias escolas públicas e particulares, vários supermercados, dois grandes hospitais, praças de lazer, quadras de esporte. Ou seja, em vinte anos crescemos, talvez, mais de cinqüenta anos em relação à Velha Natal. Notoriamente, a ponte de cimento de Igapó não fez crescer tanto quanto fará a ponte Newton Navarro; é tanto que os efeitos já começaram a ocorrer antes e depois da ponte Forte x Redinha. A construção de dois shopping centers, a vinda de mais três grandes lojas como Carrefour, C&A e Americanas, além das duas existentes unidades do Nordestão. Um Complexo Cultural, uma Biblioteca, um IFRN, uma Universidade Estadual, outra particular, um SENAC, um SESC, várias áreas de lazer, bem como, um Ginásio Esportivo
semelhante ao Machadinho. E, diga-se de passagem, vários bairros como Igapó, N. S. da Apresentação, Redinha e adjacências já foram ou estão sendo saneados. Ou seja, uma ação não muito comum nos governos anteriores, mas que agora está havendo uma exigência maior da sociedade, mormente nas reuniões do Orçamento Participativo.
Agora imaginem leitoras minhas e leitores meus, quando daqui a mais vinte anos tiver a ponte que dá continuidade ao viaduto do Baldo, construído há quase trinta anos pretéritos, quando em mim ainda aflorava os primeiros afãs de ter um emprego e fui embora para São Paulo por passar em concurso da Aeronáutica. Era justamente início da década de oitenta do ano internacional da juventude, como eu, aos vinte e três anos de sonhos e desejos, e sequer se cogitava ainda esse grande crescimento de Natal para essas bandas. Por isso, não se trata de ficção dizer que o Potengi quando daqui a algumas décadas estiver com mais três ou quatro pontes ligando o centro da Velha Natal com o centro da Nova Natal, onde se gastará não menos de quinze minutos para se ir ou se vir de um lado a outro na hora que bem entender ou quiser. Aí, o meu saudosismo não fará
nenhuma questão de quando teria que andar a pé, carregado de livros, em média dois quilômetros até a ponte metálica de Igapó para pegar uma única linha de ônibus e ter que ir estudar no Instituto Municipal João XXIII, no Baldo, que hoje já não mais existe por ter cedido lugar ao imponente viaduto que liga nada a coisa nenhuma, isto é, agora, no momento, e talvez na intenção de quem o projetou, mas que o futuro já prediz qual será a sua verdadeira função. Esperemos!
Que venha o inexorável progresso; que venham os
arranha-céus; que venham as pontes e viadutos, mas que também venham engenheiros, arquitetos, sanitaristas comprometidos com o meio ambiente. Com a causa real da nossa existência vindoura, porque de desgraça todos já sabemos e estamos cheios, em nome desses progressos capitalistas que não visam o amanhã, mas simplesmente o imediatismo do ter aqui e agora, inescrupulosamente.
Oxalá! Que os anos vindouros sejam uma só harmonia entre capitalistas, socialistas e ambientalistas para que as futuras gerações não venham a ser extintas, porque as de hoje já pagam um preço altíssimo: poluição, câncer, asma, pneumonia e morte principalmente no trânsito.


RESISTÊNCIA À MODA


Não me lembro muito bem o dia em que estive na Cidade Alta, mas sei que foi num fim de semana desses, literalmente num sábado. Assim sendo, fui a um encontro, o qual acontece uma vez por mês, no último sábado, em um espaço cultural que fica na rua Princesa Isabel, no centro.
Qual não foi a minha surpresa, quando cheguei ao calçadão da Rua João Pessoa, no centro da Cidade Alta, deparo-me com um deserto de rua, digno de feriadão. Justamente como acontece nas grandes cidades do mundo, acima de tudo brasileira. Só que, não se tratava de nenhum feriado, era simplesmente uma rotina peculiar da minha cidade, a qual eu não estava muito a par, após passar algum tempo ausente. Estávamos em dias de trivialidades eternas de cidades movidas pelo capital, com exceção da polis Natal que apesar de rimar com ele, simplesmente não o cultua com o mesmo poder e ambição das demais metrópoles do mundo modernamente capitalista.
A Cidade Alta é um paraíso de cidade, digo isso, porque vivi dez anos em São Paulo e morei três meses no Rio de Janeiro. Todavia, se ela não entrar na onda dos “shoppings” da vida, vai terminar se transformando numa autêntica Ribeira e, dentre em breve, estarão a propagandear o novo slogan: “Revitalização da Cidade Alta”.
Afinal, pelo muito que se fez e se tem feito ou se faça pela Ribeira, bairro antigo de Natal, afirmo que em nada mudará a cara ou a situação do centenário bairro. Que alarguem as suas ruas, que façam pavimentação ou drenem, ou construam mil pontes sobre o Potengi ligando-a a Zona Norte, ou que coloquem em cada esquina um shopping center, ainda assim ele (o bairro) jamais deixará de ser a Ribeira. Porque a Ribeira foi o que foi e só o é e será o que é pelo que está nos registros, através das fotografias, dos quadros belíssimos do pintor Pedro Grilo Neto, das crônicas e das histórias contadas por Câmara Cascudo, mormente as brigas entre xareleiros e canguleiros. Aqui sim, é onde reside e irá residir a verdadeira Ribeira.
Se andar na Cidade Alta, em Natal, não se compara, nem de longe, a se andar em qualquer subúrbio de São Paulo. Eis que, por aqui, as ruas são vazias de camelôs e as poucas gentes que transitam, caminham numa paciência interminável de Jó, e até mesmo nos horários mais críticos está longe, muitíssimo distante desta (cidade) se comparar a Bangu, subúrbio do Rio de Janeiro, isto é, lá pelos idos da década de oitenta.
Aqui, sábado, à tarde, é hora de se lavar as lojas e as calçadas, e de se arrumar as coisas, os troços - como dizemos nós por aqui -, onde não se vendem nem se compram absolutamente nada.
Natal se faz tão pacata, quanto o grande centro financeiro paulista, em sua avenida mais paulista de todas, em pleno período de feriadão. A Cidade Alta tem a cara da sua irmã centenária, a Ribeira; talvez, seja porque eles (os bairros) ainda não aderiram à moda dos “shoppings” da vida, ou senão se achem, acredito, demasiadamente velhos para fazerem uma boa plástica, em colocarem um siliconezinho aqui, um botox ali, ou, um enxerto acolá?


CRISTIANE... CRISTIELLE

Estava de costas para mim. Havia uma cicatriz no seu braço direito envolvendo parte mínima das costas, próxima à axila. Era uma mácula sutil, mas de origem duvidosa. Desprovia-se da abundância de nádegas. Como se diz: uma tábua. Contudo, beleza não é fundamental e nádegas muito menos. Era o paradoxo de “Receita de Mulher”. Igualmente, abundava-se numa beleza rara. Era alta, ajudada também pelos tamancos que denunciavam um retorno à moda dos anos setenta que, talvez, desconhecesse na explícita lucidez de sua juventude. 
Alguns transeuntes que passavam confirmavam para mim o que eu já pressentira. Embasbacavam-se, muitos deles, quando a viam. A buzina e os olhares denunciavam a beldade. Ela, estática, encostada numa coluna de madeira que sustentava a cobertura da cigarreira, fazia-se alheia a tudo.
A sua demora coincidia com a minha. Todos os ônibus já haviam passado, exceto o do nosso ignoto destino. Ela foi até o dono da cigarreira para se informar. E ele lhe afirmara qualquer coisa relativa aos ônibus que a levariam ao seu destino. Na nossa espera, sem que soubéssemos, esperávamos a mesma lotação. 
Por alguns minutos ficamos a sós na parada. Só poderia ser mesmo a coincidência dos destinos!
De tanto demorar o zero um, terminei por duvidar de mim mesmo, ou seja, da minha consciência. E o dono da cigarreira, mais uma vez, entre tantos que repetem a mesma dúvida, solucionou a minha que também fora a mesma dela. Ela estava a esperar o zero um como eu, mas o zero oito também nos serviriam. 
Nossa coincidência era a rodoviária, mas seu destino Acari.
Adentrei a confabular que o zero oito havia passado há alguns minutos.
- Pois é, e já são 17:20h.
Chega o zero oito. Decidi-me também não mais por esperar o zero um. 
Entramos no ônibus e fomos sentar nas últimas poltronas. Ela na da frente. Eu na de trás. 
O seu destino... o mesmo meu de parada, menos o de sina. 
Voltou-se para mim e perguntou: 
- O senhor tem horas?
- Não! ah...
Peguei o celular para ver as horas.
- Por favor, posso fazer uma ligação a cobrar? Por favor?!
- Pode, sim!
Ela era bela. Magra. Morena.   E mais uma vez, eu    estava a admirar sua beleza por trás.   Confabulava com um homem     que   a esperava na rodoviária. Passei a me lembrar das pegadinhas de tv que divertem os que não têm o que fazer com as desgraças dos outros. Eu estava a me sentir verdadeiramente como um daqueles idiotas inocentes. 
Ela não demorou mais que dois minutos.    Mas   o   suficiente para que eu lesse no seu pensamento de magra, morena, alta e bela: 
“Mas que velho idiota, que babaca!!”. 
Só  me  bastava  agora  ela  me pedir para carregar a sua mala. 
Epilogava hesitante as minhas conjecturas.
- Muito obrigada!
- Não há de quê.
Os cabelos que estavam presos foram soltos.  Demonstravam-se certo ar de liberdade, de   paz,  de   tranquilidade.    Eram    longos, castanhos, lisos e belos. Voltou a prendê-los e novamente a  soltá-los. Agora, retratando certo incômodo. Um frenesi de   esforço.     Voltou-se para mim bela e encantadora face, mas   de  um sorriso   difícil  de decifrá-lo, entre o cinismo e a “carência”, a dizer-me:
- O senhor, depois, pode me emprestar novamente, o seu celular?
- Sim!
Desta   vez,   o meu sim, era   um sim carregado   de  cinismo, talvez o mesmo que notara em seu sorriso.
Mas de repente o telefone tocou. 
Não pude identificar o número que estava no visor.  Era o do homem e a sua voz também, com o qual ela falara minutos antes. Queria a confirmação dela, se havia ligado daquele celular.
- Sim, foi deste mesmo. É pra você, Cristiane.
- Sim, já estou na avenida que leva à rodoviária. Chego  já  aí. Tchau!
Incitei a confabular:
- Você me fez lembrar aquelas cenas de pegadinhas da tv.
- Foi mesmo!
- Tudo   isso,   me   parece   digno de uma crônica. Eis  o meu cartão. A propósito, o seu nome, por favor?
- Cristielle.
- Nome exótico, hein?!
- Obrigada pelo telefonema.
- Faça uma boa viagem.
- Trim trim.....
- Alô!
Era o mesmo 0849620...
- Desculpe o incômodo, amigo. Cristielle já...
- ...Ela acabou de entrar na rodoviária.
- Obrigado!


A VELHA SENTENÇA

O que vou discorrer, nestas poucas linhas de agora, tratar-se-á de um fato. E pelo que se sabe, um fato tem um alto teor de veracidade, por que não é ficção nem se trata de verossimilhança. Porém, sabe-se que a ficção tem tratado e abordado de certos assuntos que são verdadeiramente fatos, e de alto grau de veracidade, em que os críticos os têm classificados de crônica, conto, prosa e nunca de pura realidade da vida; talvez, porque nunca sentiram na pele o que eu tenho sentido no sangue para enfrentar a dura realidade da vida de quem anda de ônibus. Ou melhor, dizendo, para ser mais preciso de lotação. Feliz é o crítico que fica em seu escritório, tal um árcade, no ar-condicionado ligado, dando nome às coisas dos outros, sem nunca ter vivenciado ou, ao menos, sentido de perto a coisa, mas acima de tudo, só imaginado, sentido, estudado apenas.
A sutileza de imposição, em que uma rotina é capaz, só quem vive dela é quem sabe dizer alguma coisa sobre tal. Pois sim, geralmente, a rotina nos faz aguçar a nossa percepção, de tal modo, que as coisas mínimas e insignificantes, existentes em nosso microcosmo, parecem tão familiares e íntimas para nós. Principalmente, quando esse microcosmo, se trata do Coletivo no qual todo dia vamos para trabalhar nele. Quando, qualquer coisa sai dos eixos, da linha ou dos trilhos, logo percebemos, e, de súbito, desvendamos que alguma coisa foi radicalmente alterada.
Não há, na civilização moderna, algo mais rotineiro do que a vida de quem vive do trabalho para sobreviver. Falo do trabalho, propriamente; como também, das horas em que o antecede para se chegar até ele: a cruel monotonia, do horário em que se tem que levantar todos os dias, o mesmo. A espera pelo ônibus, que é sempre o mesmo, de todos os dias santos e feriados; que é quase inevitável de se pensar no “quase sempre”. O mesmo motorista. O mesmo cobrador. As mesmas pessoas. Sim, as mesmas pessoas mesmo. Todas ali, sentadas no mesmo banco de sempre. Todas em suas cadeiras cativas, como se estivessem em seu lugar mais privativo de suas casas, a meditar o dia seguinte de uma feijoada, em seu trono, como um verdadeiro rei dos proletariados, que até se chega a dormir. Alguns, se sentindo mais confortados do que em seus próprios trabalhos. 
Só que, nesse dia, do qual vou tratar aqui, foi diferente. Assassinaram, literalmente, a rotina.
E como foi diferente mesmo. Estava eu na minha rotina de sempre: a do relógio e a da espera do ônibus, quando me transformei na personagem do segundo parágrafo, um   passageiro de percepção afinada, deste fato. A lotação havia se quebrado em algum lugar da linha que antecedia a minha parada, e com isso, havia também quebrado a minha rotina, mas o motorista e o cobrador não. Eles estavam ali de corpo e espírito presentes, tão presentes quanto eu e todos os trabalhadores da velha rotina diária.
Amigo leitor, leitora amiga, que também pode ser a crítica ou o crítico desta minha situação factual, você já teve a sorte ou azar de pegar um ônibus e de repente ter a sensação de que pegou o carro errado e está no lugar em que não é o previsto pelo dia a dia? Pois sim, era desse jeito que eu estava me sentindo nesse ônibus, um alienígena em sua própria tribo. Naquele ínterim, senti falta da minha querida e adorável rotina, mesmo sendo avesso a qualquer forma de monotonia, mas eu queria era me sentir em casa, o que não estava acontecendo.
A familiaridade, daquele meio móvel e abarrotado, em que os meus sentidos já estavam acostumados, fugira-me completa e inexplicavelmente. E eu, me vi a observar detalhes tão minuciosos, que me sentia como se fosse um autêntico clínico. Um clínico que tem como ferramenta única de trabalho, os olhos. Os olhos, que numa taciturnidade de hipocondríaco diagnostica o mal, mas que tem medo de revelá-lo. Porque, o momento ali, não se encontrava nada bem; eis que, o espaço da lotação se reduzira para cada usuário, ao mínimo extrapoladamente. Porém, não se tratava de nenhuma greve e muito menos de nenhum feriado especial, eis que os escravos da rotina se encontravam todos ali, juntamente comigo. A temperatura externa 
registrava nos termômetros 24 graus, do verão potiguar, mas ali dentro já ultrapassavam os 30 graus Centígrados, que logo chegou a 40 na discussão de dois passageiros: um pedreiro, que nunca o vi ali; e um vendedor, desses que trabalham em loja de material de construção. Não sei por que motivo começou aquela discussão, pois já me encontrava bem na traseira do ônibus, livre de qualquer esfrega-esfrega, empurra-empurra, pisa-pisa, arrocha-arrocha comum na vida de quem é trabalhador usuário desse meio de transporte - o único existente. Só sei que, xingamento ia, xingamento vinha, e cada vez mais para próximo de mim; ouvia o desabafo furioso do pedreiro inconformado com o vendedor: seu filho disso, seu filho daquilo. E de repente, a mais primitiva afirmação da eterna dúvida, que desde a sua origem, o macho vem à procura de garantia, da sua segurança intrínseca: 
O pedreiro: “EU SOU HOMEM!” 
O vendedor:  “EU TAMBÉM SOU!” 
O pedreiro: “VAMOS VER LÁ FORA.” 
O vendedor: “VAMBORA.” 
E por fim, nenhum dos dois desce. E o século XXI começando, e ainda, acompanhado da velha indefinição do gênero pelo gênero, não se sabe até quando, essa dúvida perpetuará!
Enquanto isso, a lotação e eu, continuávamos na nossa bela e maravilhosa desrotina, que só é ficção, para aqueles que desconhecem os privilégios de quem tem que andar de ônibus, para sentir na pele a essência de um momento desses, captando o que existe de esdrúxulo e de inusitado na vida de um trabalhador; onde só assim, é que  poderá se sentir povo, vivenciando na íntegra a dor de quem trabalha, para só depois, escrever a sua mais dura realidade de trabalhador, como faço eu agora; mas que em breve, o crítico irá chamar de crônica e dizer que se trata de uma  ficção. Essa crônica vida de quem vive do   trabalho assalariado e que tem que andar de ônibus desviando-se, quando pode, dos esfrega-esfregas, dos empurra-empurras, dos etceteras e tal que talvez, o  tenha deixado o pedreiro irritado daquele jeito.


CARPE DIEM

Já imaginou quanto tempo se perde na vida? Se isso nunca lhe ocorreu, imagine uma pessoa que anda de ônibus em média 2 horas por dia. Numa semana de trabalho ela terá consumido dez horas e, num mês, invariavelmente, terá abatido quarenta horas da sua maravilhosa vida. Ou seja, o equivalente a uma semana de oito horas de jornada de trabalho irremediavelmente perdida. Sem, sequer, poder contabilizar ou converter esse tempo em benefício próprio. 
Nessas perdidas horas é que eu fico a meditar em  
dizer: quão salutar seria, que todos morassem na esquina do seu trabalho ou, contrariamente, que todo trabalho fosse na esquina da sua casa. Mas nem sempre isso é possível.
Bom, o que se fazer então para matar esse tempo, essa lacuna, esse vazio? O que se fazer para preencher essas crudelíssimas horas de espera inútil, às vezes, tomada pelo tédio, pela ansiedade de se querer chegar sempre e sempre ao mesmo destino de todos os dias, de todas as rotinas em desgastadas retinas do dia-a-dia?
Há uma pequena ressalva apenas para aqueles que sempre conseguem um merecido lugar para se sentar nesse vazio de tempo. Para estes é inquestionável medir o teor de conforto que esses assentos podem lhes oferecer. Basta o privilégio de se ter o seu lugar ao sol porque, certamente, terão como preencher aquelas ociosas e improdutivas horas da rotina eterna. 
Metaforicamente, assassinarão o tempo com o resto do sono que lhe fora roubado na madrugada, pelo relógio e pela obrigação da responsabilidade. Assim sendo, poderão ficar a pensar, se quiser, na morte da bezerra sem problema algum. Podem até rir das desgraças dos seus irmãos de labuta, por serem desprovidos do mesmo privilégio seus de não encontrarem lugar para sentar. Porque terão que se martirizarem por horas determinadamente a fio, sofrendo os empurrões, os muxicões, os apertos, os roça-roça das horas do ir e vir do prélio. Não bastasse a árdua tarefa que se tem de enfrentar no trabalho, e, ainda por cima, tem-se que driblar o tempo da lotação e no lotação. 
Há quase sempre uma mesma classe que depende de ônibus. Porém, poucos conseguem sequer imaginar o tempo que perdem dentro dele. Talvez fosse salutar se puxar uma conversa sadia. Mas nem todos estão ali para ficar ouvindo conversa de cunho particular por mais sadia que seja ela. Poder-se-ia falar de futebol, já que vivemos no país mais futebolístico do mundo, ou senão, de religião, acima de tudo a católica, que é igualmente ao futebol em contingência. Afinal, vivemos num país em que todo brasileiro se diz católico ou se deleita com uma partida de futebol, ou, uma resenha esportiva, mormente numa segunda-feira, quando no dia anterior, dois clássicos se   
digladiaram num estádio. O difícil é saber se, realmente, dentro de um ônibus lotado, as pessoas estão dispostas a querer ouvir discussão de futebol ou mesmo que seja de carnaval ou religião. Acredito não ser um local muito adequado para isso. Afinal de contas, não se estar no boteco da esquina de casa. E, se dentro de um ônibus lotado pode se considerar uma família. Eis que, ali, se faz a família mais distinta, mais múltipla, mais complexa e mais mais... Onde todo cuidado há de ser redobrado! 
Poder-se-ia então falar da atriz ou do ator da novela de sucesso, mas ainda assim, nem todo mundo é afeito à novela, futebol, carnaval, religião ou à política, mormente, quando dentro de um ônibus lotado, mesmo sendo num ano de eleição para presidente e, acima de tudo, de copa do mundo. Poder-se-ia pensar numa boa piada, numa anedota inteligente para alegrar os espíritos daqueles que saíram chateados com o padrão ou não tiveram uma boa dormida. Mas que a anedota não seja demasiada longa, pois se pode correr o risco de incomodar aquele que esteja a preencher o seu sagrado espaço com belo e maravilhoso cochilo, vencido pelo cansaço escravo de todos os tempos...
Não consigo identificar a classe a qual eu pertenço atualmente, portanto, consigo encontrar nesse retrógrado meio de transporte, duas formas gratificantes de como preencher o vazio, a lacuna ou de exterminar, com poder, o tempo. E como sou desses homens escravo que também se ver vencido pelo cansaço e quão escravo quanto eles. Durmo, durmo, durmo... Não tanto quanto a um colega que chega a transformar o insuportável barulho do motor em “eterna” e paradoxal canção de ninar; basta entrar, sentar-se na poltrona; tão logo, está a desfrutar do sono dos mais justos dos trabalhadores em sua labuta diária. E assim dorme. Dorme por uma ou duas horas, sem incomodar a ninguém; nem os mortos pela matança do tempo. 
Entretanto, contabilizando a minha interminável vida de passageiro - aliás, somos todos passageiros de um mesmo coletivo -, some-se aí, um tempo de 5.760 horas, mais ou menos, doze anos dentro de um ônibus. Então, das duas formas que encontrei, uma é dormir. A 
outra, ler. Simplesmente leio. E, dessas tantas leituras, já me valeram uma 
graduação em Filosofia e Letras; a leitura das obras completas de José Lins do Rego, Fernando Pessoa, Drummond; a compreensão do livro O País do Carnaval, de Jorge Amado; a assimilação do monólogo inteiro de Hamelet (o ser ou não ser, eis a questão), para um curso de teatro e tantas coisas mais. Atualmente, estou a iniciar na falta de uma pós-graduação, o terceiro curso de “eterno” graduado, que é o bacharelado, em Filosofia. 
Por fim dos fins, como exímio assassino desse tempo, hoje o matei com o pensar na concepção desta crônica e de tantas outras, quão crônica quanto à vida do trabalhador, que não consegue um lugar ao sol.  
Bom, quanto ao desvio da minha retina, quando por muitas vezes já fui interpelado para não ler em ônibus, só Deus sabe como ela está ou terminará. Por isso, eu a entrego em vossas mãos, meu Deus. Agora, quanto ao desvio da minha rotina, desta eu não abro mão a troco de nada, porque sempre procurarei a me ver livre dela em nome do meu CARPE DIEM... lendo, dormindo ou pensando.


O LOBO E A OVELHINHA

Acabo de ingressar, feliz-mente, na tão inesperada idade da fábula lupínica. Sinto-me como todo aquele que se acha que em quase nada mudou e que agora, mais do que nunca, quer tudo transformar. E, a partir da própria virilidade, a primeira mudança é trocar a “velha” de quarenta por duas de vinte anos; a segunda trata-se da vida em particular, é o exacerbado narcisismo de se fazer inveja a qualquer mortal, por sentir-se um “Apolo” de fim de carreira num egocentrismo demente em querer negar a inexorável realidade - explícita para todo mundo, menos para si próprio. Eis que se dá o cúmulo do ridículo, inconsequente, na fantástica fábula lupínica, em que se passa a tomar ares de um fato cronicamente fabuloso, nessa crônica na qual me faço vítima incondicional.
O interessante nisso tudo, é que, o fato parece mais se acentuar na visão do próximo mais íntimo, do que em si mesmo no espelho da sua consciência. 
A lenda de que se criou em torno disso, infelizmente, só faz aflorar os sentidos de quem nos rodeia - o nosso ente querido - deixando-a mais atenta, a todos os movimentos da “inocente vítima?” ou da “fera insaciável?”. Às vezes, essa tensão ou expectativa pode se dá com bastante propriedade, outras vezes, não passa de uma exagerada fantasia de ambas as partes quarentonas.
Se tivéssemos que fazer uma pesquisa aprofundada a respeito da origem sobre a qual se criou a fantástica fábula relacionando o lobo com o homem que chega aos 40 anos, teríamos que fazer desta um tratado mais que literário, de caráter puramente científico. Todavia, é o que aqui não vem ao caso. 
Fiquemos, pois, à margem do possível e imaginário, cuja metáfora é capaz de criar coisas fantásticas de que se fazem clássicas e perduram até hoje, a manter vivo o nosso fantasioso imaginário, assim como na fábula “Chapeuzinho Vermelho” e na lenda em torno do que se criou com a “idade do Lobo”. E que ambas passem a representar a vida conforme têm representado desde a sua “desconhecida” origem ou razão, até os dias de hoje e, literalmente, ponto final.
Mas, a propósito, o que tem a ver mesmo lobo com o homem, quando este faz quarenta anos? Se o lobo é um animal que vive em seu habitat conforme a sua própria natureza. E o homem, por sua vez, pleno de sua consciência, faz a relação, não sei se a mais esdrúxula, mas, certamente, a mais descabida em criar uma idade que se relaciona exatamente a um “inocente” de animal que nada tem de homem nem tampouco da sua idade, e, parece-me que, por certa lógica natural, o lobo vive muito menos que o homem. Seria então uma ironia, o homem pegar os seus problemas e relacioná-los com os dos inocentes animais, já que estes não os podem fazer o mesmo? 
E, em se tratando de ironia, vejamos o paradoxo via analogia, em que o homem criou com a denominação ostentada na visão dos “cabras-machos”. Estes, de peito estufado, não se cansam em dizer, num exacerbado machismo, o bordão: “prendam suas cabritas, que os meus bodes estão soltos”. E, é isso mesmo, além de Lobo, para uns, outros são orgulhosamente Bodes. Isto é, sem nenhum constrangimento ou preconceito em relacionar-se à figura do bode - que é bicho literalmente de chifre, coisa muito grave para certos machões -, e, ao paradoxo fabuloso de “cabra-macho” que contraria a essência do que é pura e absolutamente feminino, numa possessão machista: a cabra, fêmea do bode.
E   VIVA  O    REINO  DOS ANIMAIS IRRACIONAIS AOS RACIONAIS!!!
Não obstante, ao tão decantado reino animalesco, temos também a comparação do galo com o homem, ou do homem com o galo? Não faz muita diferença, segundo a intenção de que se procura dar a coisa em si. O galo que é aquele animal que canta mais alto no seu terreiro rodeado de penosas e o homem, em seu harém, ironicamente, compara-se a ele. Porém, diz-se que o galo quando velho, demasiadamente, passa a botar ovo igualmente à galinha. 
Seria este um conceito feminista para se tirar revanche sobre os machos? Não. Mesmo que fosse, não 
mudaria o poder - incompreensível - de  que  se  tem em  reverter conceito puramente feminino em abruptamente masculino. 
Há também aquela do garanhão, o puro sangue, de que só se consegue ver o lado reprodutor e “viril” do animal a se perder de vista a carga semântica da qual se reveste cada espécie. Como, por exemplo, se esquece de que o garanhão é o animal, que, senão da mesma espécie, é o que mais se aproxima do asno: tem quatro patas, cascos, dá patadas, coice e vive a pastar. Tudo isso, se é irrelevante diante daquilo que se quer dá ênfase ou, em se querer fazer relação com alguma coisa, por mais absurda, paradoxal e abrupta que seja em nome da ostentada masculinidade. 
E    VIVA   O   REINO DOS ANIMAIS IRRACIONAIS AOS RACIONAIS!!!
Preferiria então, nesse complexo reino animalesco, recorrer à lenda paraense, do boto, cuja versão diz que o peixe, à noite, se transforma em homem e sai pela ribanceira dos rios a conquistar caboclas donzelas e a engravidar a todas. Assim sendo, eu estaria então a inverter a ordem das coisas quando, em verdade, é o homem que se compara ao animal e não este ao homem. Todavia essa comparação parece-me menos complicada e mais desprovida de poder semântico das metáforas pejorativas do que com as quais já foram apresentadas até agora, talvez por que eu não a conheça propriamente (a história do peixe). Mas, que também, não vem ao caso. 
Diz-se, também, que o rapaz que é muito namorador tem consigo o olho do peixe-boi que, por analogia, passa a ser o mesmo boto namorador das ribanceiras dos rios do Norte. 
O mau nisso tudo, e ao mesmo tempo irônico, é a fantástica fábula que se criou em relacionar o homem a qualquer animal menos a ele próprio, isto é, tanto para elevação ou degradação sua, ou seja, da sua espécie. É o homem dotado de fantástica sapiência quando consegue fazer estas criações, portanto, se nega irracionalmente a fazer qualquer relação com a sua própria espécie, mesmo quando diante da ascensão e queda da sua racionalidade ou moral. Talvez seja por que haja falta de sentido semântico ou metafórico no excesso de obviedade ou de redundância e logicidade em si e de si mesmo.
Particularmente não me consigo relacionar com nenhuma dessas analogias feitas até agora, simbolizadas por animais, posto que o único animal com o qual consigo me relacionar muitíssimo bem e, com tamanha perfeição e semelhança, sou eu mesmo comigo mesmo (enquanto ser racional e homem); com todos os meus excessos ou ausência em que só a redundância de mim mesmo como animal distinto dos demais pode me garantir, sem receio de errar a minha autenticidade de ser; quando só assim posso refletir sobre algum coisa, como estou a fazer aqui e agora, talvez...  
Voltando, porém, mais uma vez ao lobo, este animal carnívoro, selvagem (Canis lupus) da família dos canídeos, que sempre tem servido de referencial para comparações das mais absurdas possíveis e impossíveis, quando na verdade o “pobre” e “coitado” não mereceria nada disso, justamente, por viver com a sua matilha procurando escapar das ameaças de “lenhadores” e caçadores  profissionais, para não ser extinto, juntamente com outras espécies também. 
Contudo, o lobo sobre o qual quero enfatizar aqui, não se trata do lobo quarentão, mas do lobo decrépito, mais que centenário e, paradoxalmente, rejuvenescido, a cada vez que se faz referência em torno dele. Que vem desde a cruel referência de “Lobo Mau”, em Chapeuzinho, à “Idade do Lobo”, dos que chegam aos quarenta, como é o meu “caso” e talvez de muitos outros bem próximos a mim (?). 
Talvez a minha interpretação que procuro fazer aqui, não caiba a qualquer tipo de leitor, mormente, àquele que ainda resguarda algum pudor ou, que seja ainda uma criança, pois assim, possam querer fazer mau juízo de mim e, achar que eu esteja a deturpar a clássica história infantil dos irmãos Grimm. Afinal de contas eu já passei dos quarenta, e, de tanto ler “Chapeuzinho Vermelho” agora, passo a fazer também como assim os fizeram, Heitor Conny, João Cabral  e muitos outros, talvez... a minha mais nova interpretação da “idade lupínica”, através de uma metáfora própria. Por exemplo, em dizer que o lobo - lá em chapeuzinho -, ao invés de degustar a vovozinha, poderia ter saboreado duas chapeuzinhos de vinte anos e tudo estaria resolvido, isto é, como uma nova justificativa à lenda e por assim me fazer quarentão.
Todavia, a clássica fábula de “Chapeuzinho Vermelho” tem o seu poder extraordinário, que é o de servir para muitos de referencial humano, como exemplo de vida e de ensinamento, por isso, é que se faz retrógrada e ao mesmo tempo moderna e contemporânea, um cânone, um clássico. Certamente, aquele Lobo Mau não era mais um lobo tão jovem assim. Era uma fera, experiente, perspicaz, de uma vivacidade precisamente extraordinária que, análogo ao homem, já passava também dos seus quarenta e tantos anos; estava tão decrépito com tendência mais a bobo do que propriamente a lobo, em que, para a sua idade, só teria mesmo era de saciar - pela sua natureza selvagem - a moribunda e decrépita de uma ovelha e, não de uma velha. Porque lobo que é lobo e que se preza só tem mesmo é que gostar de ovelha.
Justamente como eu.  
Por isso, estou a me fazer o jovem decrépito LOBO MAU... rício, em que termino de entrar na idade dos quarenta anos, sedento por uma ovelha e com uma incomensurável fome lupínica do mundo em degustar a bela duma ó velhinha! 
E que Ó VELHINHA, HEIN!!! 
De cuja idade é quão loba quanto a minha.  


POSFÁCIO

Nesta altura você já deve ter lido ou pelo menos folheado este livro e se deliciado com as crônicas do nosso filósofo Maurício Garcia.     O valor do conteúdo depende muito da argúcia e nível de sensibilidade do leitor em sua apreciação, daí a razão porque cada leitura tem o seu grau de aceitação, muitas vezes contrastante. Neste caso em que vimos uma visão de reminiscências e projeções filosóficas, uma logo em seguida da outra, nos foi oferecida condições para análise do âmago e permeio das narrações com um pé no passado e outro no futuro.
O  prefácio  apresenta um discurso que procura exaltar as qualidades do conteúdo e do autor  anunciados e quase sempre, antevendendo e explicitando o seu texto e a sua forma, tudo no sentido de estimular a leitura.  
No posfácio procura o leitor comparar o juízo que fez da leitura, com a daquele que o escreveu e no final, nem sempre são concordantes. Coisas de todo aquele que lê.
Parece um tanto paradoxal um escritor filósofo convidar um leigo para fazer o posfácio do seu livro, mas ao ler a primeira crônica em que fala sobre os fins dos tempos, de uma forma simples e coloquial, exaltando a sua cidade, o seu bairro e até a sua rua, locais onde nasceu e sempre morou, inserindo-os num processo dinâmico de vida dentro da situação política como geográfica, falando das coisas mais simples da natureza.  Os ingredientes não foram caçados, investigados e simplesmente observados por quem tem a capacidade de enxergar no óbvio a matéria prima da preciosidade.  Essa primeira crônica estimulou-me à continuação da leitura onde vi a apresentação de reminiscências da sua vida citando aspectos da cidade de Natal, com especial dedicação à sua Igapó, Ribeira e Cidade Alta nas origens da cidade como projeções para o futuro como o destino do viaduto do Baldo, cuja utilidade não consiste no seu uso atual, mas na sua continuidade ao se projetar sobre o rio Potengi sendo mais um meio de ligação com a zona Norte ou Nova Natal, como ele prega.
Aspectos que com o decorrer dos anos são esquecidos ou até despercebidos não escaparam à atenta observação do nosso escritor, que fala nas transformações, nas mudanças de propriedades e proprietários que fazem parte do cotidiano da sua terra.  Não se esquece da singularidade da palavra mãe que ridiculariza o sonhador poeta, que mesmo usando das possibilidades da versificação não encontrou a rima ideal, apelando para o linguajar da inocente criança. 
Apresenta observações interessantes sobre a rotina que envolvem os usuários do transporte urbano com todas as consequências dos empurra-empurra, esfrega-esfrega e as consequências daqueles que sabem aproveitar aquelas viagens e momentos.  A banalização reinante  da violência, do terrível e destruidor uso das drogas, da prostituição ostensiva e acintosa que direta ou indiretamente afetam nossas vidas.
A necessidade da educação e o descuido para com as bibliotecas públicas  de bairros e das escolas  e narra também o inacreditável desprezo pela liberdade, mesmo para aqueles seres que dela foram antes cerceada.
A mistura de simplicidade e complexidade despertou no leitor a argúcia na procura do inteligível, necessitando de algum tempo na dedução e fundamento do escritor intelecto em sua filosofia. 
Como viu o leitor, nesta leitura foram observadas uma infinidade de informações próprias do nosso cotidiano e ricas para o nosso aprimoramento cultural, motivo porque chega-me a satisfação de que essa ela povoou o seu cérebro de dados nunca dantes observados, talvez pela simplicidade na forma de narração dos fatos e que certamente lhe proporcionou uma satisfação incontida..

Alci Bruno é   escritor e  reside em Natal/RN.

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