El Pensamor
AUTOPSICOGRAFIA – Fernando Pessoa
*Maurício Cardoso Garcia
“Dizem que finjo
ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.”
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.”
O FINGIMENTO
COMO UMA NECESSIDADE INEXORÁVEL DO SER
Sabendo-se que o poema Autopsicografia do poeta português, Fernando Pessoa, trata-se de um
de seus textos poéticos mais conhecidos, lidos e estudados, o qual, tem sido quase
sempre objeto de pesquisa acadêmica, onde muitas vezes discentes sedentos estão
a perscrutar sempre algo mais sobre o poema, ainda assim, não se descarta a possibilidade
de se refutar sobre o mesmo para se buscar fazer novas leituras investigativas,
isto é, uma análise interpretativa conforme quase toda obra sempre suscita.
Em particular, debruço-me também agora sobre o referido texto poético
para buscar perceber algo mais do já que foi dito; Oxalá, que o esforço de minha
ousada inteligência venha realmente desvendar o filão contido no texto, certamente,
já desvendados entre tantos pesquisadores, em outrora, porém o meu intento é o
inusitado que ainda se encontra latente na obra.
Com base nos textos de sala, na Disciplina: Teoria do Texto Poético, do Professor Antonio Medeiros, e na Gênese dos Heterônimos do próprio
Fernando Pessoa, desprendidamente e sem me prender à fórmula pronta, deixo-me
envolver pelo poema Autopsicografia pessoano, e assim, percebo o que o poema
nas suas filigranas pode me oferecer de mais precioso e essencial; então, passo
a discorrer sobre o que a própria intitulação (Autopsicografia) do poema sugere. Antes, porém, faço uma breve análise da estrutura
do poema, em seguida, debruço-me para uma análise do poema buscando ver a
representação descritiva da alma que o poeta faz sobre si mesmo, ou seja, do
seu ortônimo e através dos seus heterônimos no que tange o
fingimento e a descrição da sua alma que é o tema que envolve o texto poético.
AUTOPSICOGRAFIA [2]
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve
Mas a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de cordas
Que se chama coração.
O poema acima, Autopsicografia, trata-se de uma redondilha
maior, ou seja, em sete sílabas poéticas, heptassílabo. Vejamos alguns dados a
mais sobre a redondilha:
“Redondilha é o nome dado, a partir do século XVI, aos versos de cinco ou sete sílabas
- a chamada medida velha. Aos de cinco sílabas dá-se o nome de redondilha menor
e aos de sete sílabas, de redondilha maior. A redondilha foi muito utilizada
pelos poetas do Cancioneiro
Geral, de Garcia de Resende e por Camões” [3]
E segue esquema de rimas alternadas ou cruzadas, apresentando uma certa irregularidade
nos versos 1º e 3º da última estrofe (ABAB);
(ABAB); (ABAB) nas três redondilhas maiores (estrofes de quatro versos ou
quarteto), num total de três estofes, somando 12 versos. A primeira redondilha
que se caracteriza principalmente como um paradoxo e uma ironia em torno do
fingimento do autor-poeta e poeta-autor, que se apresenta como uma espécie de
metapoeta, ele infere na palavra FINGIDOR (substantivo) o próprio sentimento
que será revelado logo em seguida; ou seja, se numa atitude lúdica de
observador analítico nós separarmos o vocábulo FINGI – DOR, veremos claramente
isso. Certamente, o poeta criador de ideias e de sentimentos de si mesmo,
emanado de sua imaginação criativa, se entretém nesse jogo, quando no terceiro
verso diz: ... FINGIR (que é) DOR, praticamente parece repetir o mesmo
substantivo (fingidor) do primeiro verso de maneira intencional e brincalhona,
já que nos parece que seja isso mesmo o seu intento percebido no decurso do
poema. Onde foneticamente não se consegue discernir FINGI-DOR de FINGIR DOR,
Percebem.
Autopsicografia, significa
dizer auto - grego autós, -ê, -ó, eu mesmo, ele mesmo,
mesmo; pref. Exprime a noção de próprio, de si próprio, por si próprio. psicografia
s. f.1. História ou descrição da alma. Em síntese, podemos dizer que
autopsicografia trata-se de uma pessoa, que aqui é o poeta Fernando Pessoa, por
si próprio fazendo a descrição histórica da sua própria alma, como se estivesse
a fotografar a sua essência mais profunda, como ele mesmo diz:
Médium, assim, de mim mesmo todavia subsisto. Sou,
porém, menos real que os outros, menos coeso (?), menos pessoal, eminentemente
influenciável por eles todos. [4]
Autopsicografia, pode-se
dizer que é um poema que essencialmente reflete o real poético criativo da
pessoa de Pessoa em várias pessoas, ou seja, a pluralidade de si em seus
heterônimos, tais como Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Chevalíer de Pas, entre outros. Um tipo de reflexo sem a
realidade refletida dos espelhos, posto que estes, nem sempre revelam o real
sentido da imagem, mas sempre uma imagem invertida do real e/ou muitas vezes
distorcidas de essa realidade que se busca e tanto se quer, mas que se não é
possível. No entanto, parece-nos que através de o recurso poético do Eu lírico
pessoano, o poema Autopsicografia, retrata de maneira sutil o reflexo de o
próprio ser do poeta de forma representativa mais que real, porque é sentido no
âmago do poeta, ou seja, da pessoa de Fernando desde a sua tenra infância,
quando ele, em carta a Adolfo Casais Monteiro trata sobre a gênese dos seus heterônimos:
Tive sempre, desde criança, a necessidade de
aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus rigorosamente
construídos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos .por dentro das
suas almas. Não tinha eu mais que cinco anos, e, criança isolada e não
desejando senão assim estar, já me acompanhavam algumas figuras de meu sonho —
um capitão Thibeaut, um Chevalier de Pas — e outros que já me esqueceram, e
cujo esquecimento, como a imperfeita lembrança daqueles - é uma das grandes
saudades da minha vida. [5]
Isto é, como uma necessidade quase compulsiva
ou histérica, como ele mesmo fala de representação constante, posto que o mundo
que o cerca parece não lhe ser suficiente para dar as respostas que tanto
buscava sentir.
Percebe-se no poema uma espécie do Eu de Si
Mesmo que Pessoa sente-se no afã de nomear para que seu intento seja bem dito,
pois que se não for nomeado pode se correr o risco de não ser bem representado
ou se tornar mera repetição de tudo que já existe, o EU que pulsa para dizer
algo mais do que o próprio EU da pessoa de Pessoa.
No verso “O poeta é um fingidor” à primeira vista, chega a soar mal, a ponto
de se ver o poeta num nível de rejeição cruel; digamos, o poeta é elevado a uma
espécie de mentiroso, de gente vã, medíocre, sem categoria nenhuma; ou melhor,
à categoria na qual todo artista praticamente é levado, à de marginal. Porém,
no desenrolar do poema a ideia vai se formando e tomando corpo onde o poeta
fala de si mesmo (ou seja, Fernando Pessoa, poeta, fala do poeta como sendo uma
espécie de metapoeta ou de metapoesia, que ele mesmo denomina de
Autopsicografia).
No segundo verso, “Finge tão completamente”, é endossada ao extremo a afirmação do
primeiro verso, ou melhor, ele não só finge como também confirma que finge por
completo, sem medo e com determinação da própria necessidade de fingir.
No 3º verso, “Que chega a fingir que é dor”, ele diz do que realmente finge,
porém fica implícito que o seu fingir não é só a dor, mas algo maior, pois que
é na própria alma que sofre. Porque a dor, em parte, é o extremo do sofrimento
de que o humano é capaz de sentir, entre tantas outras dores existenciais.
E por fim, no quarto verso, “A dor que deveras sente”, ele fecha o quarteto
primeiro de forma irônica e paradoxal, como se fizesse cair a máscara do
fingidor, quando revela que o seu fingimento é mais que real na dor, porque
fingir realmente o que se sente na pele, na alma é como se fosse um tipo de
brincadeira cruel, às vezes até infantil, masoquista ou senão, uma atitude para
não incomodar os outros que certamente não irão solucionar o seu problema, ou
seja, a dor que se sente, mormente quando muitas vezes trata-se de uma dor transcendental
ou metafísica.
“Na vida, a grande questão é a dor que se
causa, e nem a metafísica mais engenhosa pode justificar o homem que dilacerou
o coração que o amava” [6]
Pode-se perceber que Fernando Pessoa quando
diz que, “O poeta é um fingidor”, o
faz com profunda consciência de concepção da realidade humana nele mesmo e em
seus heterônimos, onde ele, enquanto Poeta remete ao poeta como uma metáfora da
própria humanidade diante a sua realidade de indivíduo no mundo e ao mesmo
tempo refere-se a si mesmo, Fernando Pessoa, ante os seus heterônimos como uma
humanidade particular, os quais são representação das suas necessidades
múltiplas de criador como poeta-pensador das suas ideias e dos personagens
reais e não fictícios como os dos romances; Pessoa consegue transcender a
realidade fictícia dos seus heterônimos, transformando-os em si mesmo e em
personagens da vida real. Veja o que ele diz sobre isso:
Além disto, esta tendência não
passou com a infância, desenvolveu-se na adolescência, radicou-se com o
crescimento dela, tornou-se finalmente a forma natural do meu espírito. Hoje já
não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os
autores vários de cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião
de uma pequena humanidade só minha. (Genêse dos heterônimos) [7]
Entre a intitulação: Autopsicografia do poema pessoano e a sua realidade heteronômica
têm-se uma forte relação representativa dos Eus de Fernando Pessoa, que nos parece
ser grande parte das necessidades humanas que são expressivamente reveladas
através do ato inexorável de fingir; fingir como uma prática intrínseca e
coerente a todos nós ante as diversidades que a própria vida se expõe, e não só
a de poeta, que no poema manifesta-se como uma metáfora da própria realidade
humana. A ponto de se poder inferir, na primeira estrofe, a figura explícita do
próprio poeta Fernando Pessoa; isto é, enquanto poeta nomeado como Ricardo
Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos, como sendo seus eus implícitos; Na
segunda estrofe, percebe-se o afastamento do poeta Fernando Pessoa e a presença
explícita dos seus heterônimos, mas também podemos inferir a figura dos
próprios leitores; no entanto, o poema é bem claro quando diz: “Os que lêem o que escreve / Na dor lida
sentem bem”, ou seja, o poeta enquanto leitor introspectivo e narcisista
sentindo-se a si mesmo através da leitura propriamente dita do que escreveu ou
escreve, pois é como se fosse um tipo de purgação da alma, fuga da realidade,
quando se ler o que se escreve, principalmente
quando se escreve para si mesmo ou para seus próprios eus, a ponto de
não atingir a ninguém mais, a não ser a sua humanidade particular. Seriam seus heterônimos lendo o que Pessoa
escreveu, porém eles não sentem porque são meros personagens criados pelo
sentidor que é Pessoa. São eles, os heterônimos, representantes da dor
propriamente do poeta e humano Fernando Pessoa. Quanto aos leitores, estes nem
sempre escrevem, apenas se sentem, muitas vezes, inseridos no contexto do poeta
como se eles os tivessem escrito aquilo que tanto dilacerava a sua alma, por
isso, na dor lida sentem bem. E ainda na
leitura de si mesmo, vejam um fragmento do poema, Não sei quantas almas tenho, do próprio Fernando:
Por
isso, alheio, vou lendo
como
páginas, meu ser.
O
que segue não prevendo,
O
que passou a esquecer.
Noto
à margem do que li
o
que julguei que senti.
Releio
e digo : "Fui eu ?"
Na 3ª e última estrofe parece-nos sugerir o
heterônimo Álvaro de Campos do Eu pessoano quando diz “E assim nas calhas de roda / Gira, a entreter a razão, / Esse comboio
de cordas / Que se chama coração” e, sendo este, Álvaro de Campos,
engenheiro naval que exalta as máquinas, a velocidade da modernidade, parece brincar
com o sentimento e o racional comparando o coração e a razão a uma máquina numa
visão bastante lúdica, isto só possível muitas vezes através do recurso
artístico-poético.
Em síntese, podemos dizer que o ortônimo, Fernando
Pessoa, com os seus heterônimos, implicitamente, no poema Autopsicografia,
através da ironia e do paradoxo presente na primeira estrofe, quando diz (A dor
que deveras sente) em oposição ao (O poeta é um fingidor); da atenuação do
sofrimento na 2ª estrofe (Na dor lida sentem bem); e, na terceira e última
estrofe, (Gira, a entreter a razão) quando brinca com seu jogo intelectual com
a criação poética de poeta-pensador; percebemos que, só mesmo através das
palavras e da imaginação criativa se pode brincar até mesmo com a dor da
própria alma, metafisicamente poetando, em nome da arte-poética.
*Aluno do Curso de Especialização em Literatura Brasileira – UFRN
REFERÊNCIAS
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Bruma; introdução por Roberto de Oliveira Brandão. 6ed. São Paulo: Cultrix,
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Drummond de. “A Bolsa e a Vida”. In: Obras
Completas: poesia e prosa. RJ: Nova Aguilar. 1988, p. 1583-5
ASSIS, Machado
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Ática, 1992, p-13 e 214.
CÂNDIDO,
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Vários escritos. 4ª edição,
reorganizada pelo autor, São Paulo; Rio de Janeiro: Duas Cidades: Ouro sobre
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____,
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TODOROT, Tzevetan. Gêneros literários. In: Dicionário enciclopédico das ciências da linguagem. 2 ed. São
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NASSAR, Raduan. Menina a caminho e outros textos. 2ª ed.
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TODOROT,
Tzevetan. “Os dois princípios da narrativa”. In: Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980, p. 61-84
(ensino superior).
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(ensino superior).
ZÉ, Tom;
MEDEIROS, Elton. “Tô”. faixa 4 do lp Estudando
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Tzevetan. “Os dois princípios da narrativa”. In: Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980, p. 61-84
(ensino superior).
(http://www.luso-poemas.net/modules/news03/article.php?storyid=704
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