O
Menino de Maré
Este vive a canoar
Nas águas do Rio
Grande
Que desembocam no
mar
Esse Rio Potengi
É nosso índio Poti
Donde emergiu
potiguar.
O Menino de Maré
Toma banho na Camboa
Lança rede e tarrafa
Singra no mar a
canoa
Pesca cangulo e
xaréu
E abarrota o batel
De tudo que é coisa
boa!
O
Menino de Maré
Faz seus versos com
amor
Astro-rei que nasce
aqui,
É quão belo ao se pôr!
Canta à luz do luar
Adentra o infindo
mar
Como um velho
trovador.
O
Menino de Maré
Versejar a nota Dó
No Canto do Mangue,
Roca
E também no Igapó
Canta na banda de lá
Toca na banda de cá
Sempre numa nota só!
O albor daquele dia fora
esplendoroso. Ossiab irradiava de felicidade na mesma sintonia do dia. O
baticum do seu coração cadenciava com a natureza no canto feliz do bem-te-vi e
do sibite que, lá no alto da pitombeira, estavam em festa. Seria a despedida do amigo que partiria para bem
longe? Talvez. Era janeiro, justamente o mês em que se dava a primeira corrida
dos caranguejos. Mês de maré cheia.
Grande. Alta. Ossiab estava decidido.
Daria um fim em tudo aquilo que o
seu coração pedia e a sua consciência indicava. Só o Mestre Essiib, lhe daria
as respostas das quais necessitava e tudo estaria resolvido.
Na noite anterior, confessara a mãe que iria viajar e ela não fora de
acordo com a ideia maluca do filho.
Sabia que aquele lugar era muito perigoso. De águas revoltas, mormente,
naquela época do ano. Dona Irecy ficara assustada com aquela decisão repentina
de Ossiab. Achara que ele não estivesse bem da cabeça, não estava a girar bem,
pois estava a falar heresia, a dizer coisa sem pé nem cabeça. Era maluquice um
menino dessa idade ter que se aventurar e fazer uma viagem daquela. Sua mãe
tinha medo que ele fosse e nunca mais voltasse. Pois, já ouvira falar de muitas histórias. Aliás, viu
muitos exemplos de homens experientes que foram e nunca retornaram os mesmos.
Muitos dos que tentaram, não voltaram, e, os poucos que voltavam, máculas
irreversíveis ficaram: corpos e mentes insanas; pernas e braços mutiladas;
arrependidos da doideira que fizeram,
inclusive, um avô seu. Mas Dona Irecy nunca
contara ao seu filho. Sempre teve medo que despertasse no menino a mesma maluquice. E agora, se via
ante a mesma desgraça, sem poder fazer nada. Ossiab era teimoso igualmente o
bisavô. Botava uma coisa no quengo não tinha quem a tirasse, nem a sua mãe nem
ninguém. Bem que ela tentou. Contava-se: “tubarões enormes atacavam as frágeis
embarcações. Barcos à vela ou canoas eram sucumbidas pela violência da fera”. E
o menino de maré pretendia navegar numa dessas canoas, pois não existia outra
forma. Dizia-se, ainda: “um tubarão atacava com uma fúria de monstro, que se
desconfiava que aquilo fosse mesmo peixe ou uma espécie de monstro marinho”. No
íntimo a mãe entendia as intenções do jovem cachopo. Tudo tinha a ver com a
mesma história do seu avô - era o destino, a moira. O castigo era não ter
contado para o filho antes. Agora teria que pagar pelo seu silêncio.
A contragosto arrumou as coisas do filho e botou tudo numa cesta de
cipó. Com água nos olhos, botou a manta
de retalho que há mais de ano costurava; arranjou chapéu de palha; alpercatas
antigas que o marido deixara; num bisaco
colocou pó de café, açúcar, tapioca, beiju, rapadura, coco, farinha e
carne-seca. Entregou uma cabaça d’água na mão do filho e foi para o
quarto. Na manhã seguinte, o menino foi
se despedir da mãe e se deparou com ela ajoelhada a rezar o seu infindo terço
de todas as noites. As Ave-marias e os Pai-nossos enchiam o quarto escuro de
paz e silêncio; o coração do pequeno Ossiab palpitava de prazer e medo pela
ansiedade. A velha sua mãe, a partir daquele momento, passara as noites e os
restos dos dias ali, de joelhos. A orar. A rezar. E a resmungar pelo filho desnaturado. Era a sua riqueza que Deus lhe deixara que
via sair pela porta da cozinha, mundo a fora. Ossiab beijara-lhe e abraçara-lhe como se lhe pedisse, em
silêncio, a benção eterna. A proteção sagrada de sua mãe, uma pobre e santa
mulher. E partiu.
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