ANÁLISE DO POEMA:
VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA de Manuel Bandeira
*Maurício Cardoso Garcia
... foi o poema de mais longa gestação em toda minha
obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus
dezesseis anos e foi num autor grego. [...] ... Mais de vinte anos depois,
quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo
desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito
estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Senti na redondilha a primeira
célula de um poema [...]
(Manuel
Bandeira) [1]
UMA
INTITULAÇÃO POÉTICA QUE SOA COMO MÁXIMA
Assim como Sócrates em Só sei que nada sei; Shakespeare, Ser ou não ser; eis a questão e tantos outros que criaram suas
máximas para a posteridade se valer delas diante de várias circunstâncias para
dar vazão a seu intento, Manuel Bandeira também deixou a sua máxima: Vou-me embora pra Pasárgada, onde
comumente estamos a aludir essa expressão título quando menos esperamos ou queremos
fugir de alguma situação difícil ou coisa semelhante.
Levado pelo desprendimento de adentrar-me no texto
do poeta Manuel Bandeira buscando vivenciar cada verso do Vou-me embora pra Pasárgada, fui-me embora literalmente
deleitando-me do presente, enquanto perscrutador da obra em si; do passado,
enquanto marcas da tradição presentes no texto; e do futuro na perspectiva do
afã e do sonho do poeta de evadir-se para o longe como fuga da realidade. Assim
sendo, desvendei nessa viagem à Pasárgada, traços de modernidade e da tradição,
bem como algumas contradições, ironias e paradoxos que o poeta Bandeira
trabalha quão sábia e poeticamente, sobre o qual passo a desenvolver uma leitura investigativa, isto é, uma análise interpretativa através deste breve Ensaio Acadêmico. Segue-se o poema:
VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA [2]
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me
embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
O poema: Vou-me
embora pra Pasárgada, refere-se a um vindouro distante, repleto de coisas
novas, uma espécie de modernidade e de eldorado terreal, um sonho, um desejo
como fuga da sua realidade melancólica e da solidão proporcionado, às vezes,
pela sua doença, isto centrado num saudosismo e num erotismo, que no poema se
insere como um refrão em redondilha na extensão de toda a obra, como uma marca
da tradição, também conhecido como medida velha, redondilha maior (métrica em
sete sílabas poéticas). Sendo Bandeira um poeta modernista que se vale da
poesia em versos livres (sem rima, sem pontuação, sem rigor parnasiano, com expressões
coloquiais), não hesita em construir sua obra por essa linha. Mas também o seu
poema tem marcas de coisas passadas e da tradição mais antiga, onde remete a
sua infância, o seu pretérito mais remoto quando fala das estórias de Trancoso
quando chama a mãe-d’água e quando se refere ao pau-de-sebo. A figura da pessoa
Manuel Bandeira, se pararmos para refletir, a sua vida em si foi um misto de
tradição e modernidade, pois sendo ele poeta moderno, passou a vida inteira com
uma doença, a tuberculose, que era marca
crucial na vida dos poetas do Romantismo, os quais morriam dessa mesma doença ainda
muito jovens, entre 19 e 21 anos de idade, mas Bandeira como autêntico
Modernista ultrapassou a casa dos oitenta anos de idade. Pasárgada também se trata de um lugar
existente, real e possível para se viver, ou seja:
Pasárgada é uma cidade da antiga Pérsia e é atualmente um sítio arqueológico na província de Fars, no Irã, situado 87 km a nordeste de Persépolis. Foi a primeira
capital da Pérsia Aqueménida, no tempo de Ciro II da Pérsia, e coexistiu com as demais, dado que era costume persa
manter várias capitais em simultâneo, em função da vastidão do seu império: Persépolis, Ecbátana, Susa ou Sardes. É hoje um Patrimônio Mundial da Unesco. A construção de
Pasárgada foi iniciada por Ciro
II,
e foi mantida inacabada devido à morte de Ciro em batalha. Pasárgada manteve-se
como capital até que Dario iniciou a mudança
para Persépolis. O nome moderno vem do grego, mas pode ter
derivado de um outro usado no período aquemênida, Parsagada. O
sítio arqueológico cobre uma área de 1,6 km², e contém uma
estrutura que acredita-se ser o mausoléu de Ciro, o forte de
Tall-e Takht em uma colina próxima e as ruínas de um palácio real e jardins. Os
jardins mostram o exemplo mais antigo dos chahar bagh persas, ou jardins
quádruplos.) [3]
Podemos
destacar dentro do poema duas estrofes (3 e 4) em que predominam basicamente a
tradição e a modernidade. Por exemplo: na estrofe 3, quando o poeta faz
referência a montar em burro brabo, subir em pau-de-sebo, mandar chamar a mãe d’água pra contar histórias
no tempo de ele menino trata-se da tradição vivida na época da sua
infância, na remota província, na qual viveu; já na estrofe 4, Bandeira expressa o sentimento de um verdadeiro
utopista, um sonhador, visionário, quando diz que em Pasárgada tem tudo é outra civilização, tem um processo seguro de
impedir a concepção, tem telefone automático e alcalóide à vontade, com
isso o poeta retrata o que existe de mais moderno em Pasárgada, porém ainda
nessa mesma estrofe ele também insere um dado interessante que é o caso das prostitutas bonitas para se namorar;
vejam que a prostituição é fato que acontece desde os mais remotos tempos e que
ao mesmo tempo se faz presente até hoje, ou seja é uma realidade contemporânea,
que ocorre em todas as épocas, Marshall Berman nos fala justamente desse
assunto quando diz:
Apropriar-se das modernidades de ontem pode
ser, ao mesmo tempo, uma crítica às modernidades de hoje e um ato de fé nas
modernidades – e nos homens e mulheres modernos – de amanhã e do dia depois de
amanhã. (Texto de sala – Introdução Modernidade ontem, hoje e amanhã) [4]
Na
estrofe abaixo temos o entendimento de que o poeta já esteve ou viveu em
Pasárgada. Como se lá fosse a sua própria morada de outrora. Quando diz: “Lá sou amigo do rei” “Lá tenho a mulher que
eu quero” Os verbos estar e ter definem bem esta realidade; ao invés de dizer lá serei ou terei, como sendo algo do futuro ou do seu desejo, ele já se diz amigo
do rei e tem poder sobre o seu querer, ou seja a mulher que quer, porém tem um
detalhe, agora, o verbo escolher,
aparece articulado no tempo futuro e não no presente como antes (sou e tenho), quando se refere à escolha
da cama. Ou seja, há uma espécie de exílio da terra na qual parece nunca ter
ido, mas que vive nos seus sonhos, o
paraíso perdido na memória, como uma fuga da sua insatisfação e dor, solidão na
qual vive.
Vou-me embora pra
Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra
Pasárgada
O poeta fala da razão pela qual
deseja ir embora, (Aqui eu não sou feliz)
e mais uma vez afirma o que há de bom e de melhor em Pasárgada, diz que viver em Pasárgada é uma aventura sem
problemas nenhum a ponto de a rainha de Espanha, Joana, a pseudo-louca, se fazer
parente por afinidade da nora que não tem. Aqui o poeta parece ironizar a vida,
a existência como uma aventura e coloca justamente uma situação real, mas que
parece uma brincadeira, Joana se tornar rainha da Espanha mesmo louca. No
entanto, como disse acima, a sua ironia acirra-se mais ainda, quando ele diz (Rainha e falsa demente). Assim sendo,
ele resgata o século XV na pessoa da rainha da Espanha, Joana. Esta que foi:
A terceira filha dos cognominados Reis Católicos. Nasceu a 6 de Novembro de 1479 na antiga capital visigótica de Toledo e foi baptizada com o nome do santo padroeiro da sua família, tal como o seu irmão mais velho, João. Desde pequena considerada muito bela e inteligente,
recebeu uma esmerada educação, própria a uma infanta e improvável
herdeira da Castela, baseada na obediência, ao contrário da exposição pública e da
aprendizagem de governo, requeridos na instrução de um príncipe. No estrito e
itinerante ambiente da corte castelhana da sua
época, Joana foi uma boa aluna no comportamento
religioso, urbanidade, boas maneiras e comportamento próprios da corte, sem
esquecer as artes, como a dança e a música, entretenimento como
a equitação e o conhecimento das
línguas românicas da Península Ibérica para além do francês e do latim. Entre os seus
principais preceptores se encontraram o sacerdote dominicano Andrés de Miranda, a amiga e tutora da
rainha Isabel, Beatriz Galindo, apelidada de "a latina" e,
provavelmente a sua mãe. [5]
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
Na
estrofe seguinte, acontece uma inversão na colocação dos verbos: andar, montar, subir, tomar, ao invés de
o poeta utilizar os verbos no presente, ele, os articula no tempo futuro, manifestando
o desejo de ir para Pasárgada, porém dá-se a entender que todas as ações
ocorrem fora de Pasárgada, ou seja, ainda na sua terra provinciana no tempo da
sua infância com ações características de sua época. Em seguida, mais uma vez,
ele retoma os verbos: deitar e mandar,
para o tempo presente como se Pasárgada fosse apenas um sonho, uma idealização
do seu intenso afã:
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Na estrofe que se segue encontramos uma
contradição, quando o poeta diz que em Pasárgada
tem tudo, e que é outra civilização, quando na estrofe anterior ele manda
chamar a mãe d’água para lhe contar histórias, isso nos leva a entender que
mesmo indo pra Pasárgada ele terá de levar consigo coisas da sua terra e mesmo
tendo coisas novas ele precisa ainda mais das coisas antigas, ou, digamos, do
tradicional, do passado, assim como nos mostra, Vera Maria Antonieta Tordino Brandão:
Quando vamos ao encontro do passado, por meio
da memória, partimos do presente. É do hoje que parto rumo ao passado. Trago
comigo a memória dos tempos: um tempo externo, Cronos – objetivo, históricos,
datado, irreversível; e um tempo interno, Kairós – subjetivo, vivido,
reversível. Este último é, também, o tempo do mito, do místico, das religiões –
um tempo circular – que, a cada narrativa, reinicia o ciclo e o círculo que lhe
dá novo significado, e o conserva. [6]
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
Eis,
agora, na última estrofe, um grande paradoxo em que o poeta se encontra, pois
sendo Pasárgada um lugar possível de escapar de vários problemas, ou seja, um
lugar onde a existência é uma aventura
sem nenhuma consequência, ele, Manuel Bandeira, fala justamente da tristeza
e da morte de quando estiver mais triste do que já é a sua própria vida, uma
tristeza de grandes consequências, sem retorno, ao ponto de lhe dar vontade de
morrer; aí, já sendo amigo do rei, como foi seu otimismo e forte desejo na
primeira estrofe, ao invés de ter a mulher que ele quer, agora ele utiliza o
verbo ter no futuro dizendo que terá
a mulher que quer na cama que escolherá, ou seja, inverte tudo o que disse logo
na introdução do poema:
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
*Aluno do Curso de
Especialização em Literatura Brasileira – UFRN
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Magia, Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e
história da cultura. Trad., apresentação e notas de Sérgio Paulo Rouanet. São
Paulo: Brasiliense, 1995. (Obras escolhidas I)
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia de Letras, 2000.
BORHEIM, Gerd. A. (et. al.) O conceito
da tradição: In:____, Tradição/Contradição.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987, p. 13-
BRANDÃO, Vera Maria Antonieta Tordino.
Labirintos da memória: quem sou¿ São Paulo: Paulus, 2008 (coleção questões
fundamentais do ser humano, 7)
CANDIDO, Anatonio. Entre Campo e
Cidade. In: ____, Tese e antítese:
ensaios. 4 ed. São Paulo: T. A. Queirós Editor, 2000.
_____ Os parceiros do rio bonito. Estudo sobre os caipiras paulistas e a
transformação de seus meios de vida. 10 ed. São Paulo: Editora 34, 2003.
HAMBURG, Michael. A cidade e o campo:
fenótipos e arquétipos, in: ____, A
verdade da poesia. Tensões na poesia modernistas desde Baudelaire. Trad.
Alípio Correia de França Neto. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 373-446
SCHWARZ, Roberto. A carroça, o bonde e
o poeta modernista. In:____, Que horas
são¿ Rnsaios, São Paulo: Companhia de Letras, 1987, p. 11-28
LE GOFF, Jacques. Por amor à cidade: conversações com Jean Lebrun. Trad. Reginaldo
Carmello Correia de Moraes. São Paulo: Editora Unesp, 1998.
RAMOS, Graciliano. A propósito da seca.
In:____, Linhas Tortas, 21 ed. Rio de
Janeiro. Record, 2005, P. 186-190.
WILLIAMS, Raymond. O Campo e Cidade na História e na Literatura.
São Paulo: Companhia de Letras, 1973.
REFERÊNCIAS
COMPLEMENTARES
BANDEIRA, Manuel. Bandeira de bolso:
uma antologia poética: organização e apresentação de Mara Jardim – Porto
Alegre, RS: L&PM, 2008.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Bandeira
[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Bandeira
[2] BANDEIRA, Manuel. Bandeira
de bolso: uma antologia poética: organização e apresentação de Mara Jardim –
Porto Alegre, RS: L&PM, 2008.
[4] Berman, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a
aventura da modernidade. São Paulo: Companhia de Letras, 2000.
[6] Brandão,
Vera Maria Antonieta Tordino. Labirintos da memória: quem sou? São
Paulo: Paulus, 2008 (coleção questões fundamentais do ser humano, 7)