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sábado, 27 de outubro de 2012

ANÁLISE DO POEMA: VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA




El Pensamor



ANÁLISE DO POEMA: VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA de Manuel Bandeira

*Maurício Cardoso Garcia

... foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. [...] ... Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Senti na redondilha a primeira célula de um poema [...]
(Manuel Bandeira) [1]  


UMA INTITULAÇÃO POÉTICA QUE SOA COMO MÁXIMA


Assim como Sócrates em Só sei que nada sei; Shakespeare, Ser ou não ser; eis a questão e tantos outros que criaram suas máximas para a posteridade se valer delas diante de várias circunstâncias para dar vazão a seu intento, Manuel Bandeira também deixou a sua máxima: Vou-me embora pra Pasárgada, onde comumente estamos a aludir essa expressão título quando menos esperamos ou queremos fugir de alguma situação difícil ou coisa semelhante. 



Levado pelo desprendimento de adentrar-me no texto do poeta Manuel Bandeira buscando vivenciar cada verso do Vou-me embora pra Pasárgada, fui-me embora literalmente deleitando-me do presente, enquanto perscrutador da obra em si; do passado, enquanto marcas da tradição presentes no texto; e do futuro na perspectiva do afã e do sonho do poeta de evadir-se para o longe como fuga da realidade. Assim sendo, desvendei nessa viagem à Pasárgada, traços de modernidade e da tradição, bem como algumas contradições, ironias e paradoxos que o poeta Bandeira trabalha quão sábia e poeticamente, sobre o qual passo a desenvolver uma leitura investigativa, isto é, uma análise interpretativa através deste breve Ensaio Acadêmico. Segue-se o poema:


VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA [2]

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


O poema: Vou-me embora pra Pasárgada, refere-se a um vindouro distante, repleto de coisas novas, uma espécie de modernidade e de eldorado terreal, um sonho, um desejo como fuga da sua realidade melancólica e da solidão proporcionado, às vezes, pela sua doença, isto centrado num saudosismo e num erotismo, que no poema se insere como um refrão em redondilha na extensão de toda a obra, como uma marca da tradição, também conhecido como medida velha, redondilha maior (métrica em sete sílabas poéticas). Sendo Bandeira um poeta modernista que se vale da poesia em versos livres (sem rima, sem pontuação, sem rigor parnasiano, com expressões coloquiais), não hesita em construir sua obra por essa linha. Mas também o seu poema tem marcas de coisas passadas e da tradição mais antiga, onde remete a sua infância, o seu pretérito mais remoto quando fala das estórias de Trancoso quando chama a mãe-d’água e quando se refere ao pau-de-sebo. A figura da pessoa Manuel Bandeira, se pararmos para refletir, a sua vida em si foi um misto de tradição e modernidade, pois sendo ele poeta moderno, passou a vida inteira com uma doença, a tuberculose,  que era marca crucial na vida dos poetas do Romantismo, os quais morriam dessa mesma doença ainda muito jovens, entre 19 e 21 anos de idade, mas Bandeira como autêntico Modernista ultrapassou a casa dos oitenta anos de idade.  Pasárgada também se trata de um lugar existente, real e possível para se viver, ou seja:

Pasárgada é uma cidade da antiga Pérsia e é atualmente um sítio arqueológico na província de Fars, no Irã, situado 87 km a nordeste de Persépolis. Foi a primeira capital da Pérsia Aqueménida, no tempo de Ciro II da Pérsia, e coexistiu com as demais, dado que era costume persa manter várias capitais em simultâneo, em função da vastidão do seu império: Persépolis, Ecbátana, Susa ou Sardes. É hoje um Patrimônio Mundial da Unesco. A construção de Pasárgada foi iniciada por Ciro II, e foi mantida inacabada devido à morte de Ciro em batalha. Pasárgada manteve-se como capital até que Dario iniciou a mudança para Persépolis. O nome moderno vem do grego, mas pode ter derivado de um outro usado no período aquemênida, Parsagada. O sítio arqueológico cobre uma área de 1,6 km², e contém uma estrutura que acredita-se ser o mausoléu de Ciro, o forte de Tall-e Takht em uma colina próxima e as ruínas de um palácio real e jardins. Os jardins mostram o exemplo mais antigo dos chahar bagh persas, ou jardins quádruplos.) [3]

Podemos destacar dentro do poema duas estrofes (3 e 4) em que predominam basicamente a tradição e a modernidade. Por exemplo: na estrofe 3, quando o poeta faz referência a montar em burro brabo, subir em pau-de-sebo, mandar chamar a mãe d’água pra contar histórias no tempo de ele menino trata-se da tradição vivida na época da sua infância, na remota província, na qual viveu; já na estrofe 4, Bandeira  expressa o sentimento de um verdadeiro utopista, um sonhador, visionário, quando diz que em Pasárgada tem tudo é outra civilização, tem um processo seguro de impedir a concepção, tem telefone automático e alcalóide à vontade, com isso o poeta retrata o que existe de mais moderno em Pasárgada, porém ainda nessa mesma estrofe ele também insere um dado interessante que é o caso das prostitutas bonitas para se namorar; vejam que a prostituição é fato que acontece desde os mais remotos tempos e que ao mesmo tempo se faz presente até hoje, ou seja é uma realidade contemporânea, que ocorre em todas as épocas, Marshall Berman nos fala justamente desse assunto quando diz:

Apropriar-se das modernidades de ontem pode ser, ao mesmo tempo, uma crítica às modernidades de hoje e um ato de fé nas modernidades – e nos homens e mulheres modernos – de amanhã e do dia depois de amanhã. (Texto de sala – Introdução Modernidade ontem, hoje e amanhã) [4]

Na estrofe abaixo temos o entendimento de que o poeta já esteve ou viveu em Pasárgada. Como se lá fosse a sua própria morada de outrora. Quando diz: “Lá sou amigo do rei” “Lá tenho a mulher que eu quero”  Os verbos estar e ter definem bem esta realidade; ao invés de dizer lá serei ou terei, como sendo algo do futuro ou do seu desejo, ele já se diz amigo do rei e tem poder sobre o seu querer, ou seja a mulher que quer, porém tem um detalhe, agora, o verbo escolher, aparece articulado no tempo futuro e não no presente como antes (sou e tenho), quando se refere à escolha da cama. Ou seja, há uma espécie de exílio da terra na qual parece nunca ter ido, mas que vive  nos seus sonhos, o paraíso perdido na memória, como uma fuga da sua insatisfação e dor, solidão na qual vive.

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

O poeta fala da razão pela qual deseja ir embora, (Aqui eu não sou feliz) e mais uma vez afirma o que há de bom e de melhor em Pasárgada, diz que viver em Pasárgada é uma aventura sem problemas nenhum a ponto de a rainha de Espanha, Joana, a pseudo-louca, se fazer parente por afinidade da nora que não tem. Aqui o poeta parece ironizar a vida, a existência como uma aventura e coloca justamente uma situação real, mas que parece uma brincadeira, Joana se tornar rainha da Espanha mesmo louca. No entanto, como disse acima, a sua ironia acirra-se mais ainda, quando ele diz (Rainha e falsa demente). Assim sendo, ele resgata o século XV na pessoa da rainha da Espanha, Joana. Esta que foi:

A terceira filha dos cognominados Reis Católicos. Nasceu a 6 de Novembro de 1479 na antiga capital visigótica de Toledo e foi baptizada com o nome do santo padroeiro da sua família, tal como o seu irmão mais velho, João. Desde pequena considerada muito bela e inteligente, recebeu uma esmerada educação, própria a uma infanta e improvável herdeira da Castela, baseada na obediência, ao contrário da exposição pública e da aprendizagem de governo, requeridos na instrução de um príncipe. No estrito e itinerante ambiente da corte castelhana da sua época, Joana foi uma boa aluna no comportamento religioso, urbanidade, boas maneiras e comportamento próprios da corte, sem esquecer as artes, como a dança e a música, entretenimento como a equitação e o conhecimento das línguas românicas da Península Ibérica para além do francês e do latim. Entre os seus principais preceptores se encontraram o sacerdote dominicano Andrés de Miranda, a amiga e tutora da rainha Isabel, Beatriz Galindo, apelidada de "a latina" e, provavelmente a sua mãe. [5]

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

Na estrofe seguinte, acontece uma inversão na colocação dos verbos: andar, montar, subir, tomar, ao invés de o poeta utilizar os verbos no presente, ele, os articula no tempo futuro, manifestando o desejo de ir para Pasárgada, porém dá-se a entender que todas as ações ocorrem fora de Pasárgada, ou seja, ainda na sua terra provinciana no tempo da sua infância com ações características de sua época. Em seguida, mais uma vez, ele retoma os verbos: deitar e mandar, para o tempo presente como se Pasárgada fosse apenas um sonho, uma idealização do seu intenso afã:

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Na estrofe que se segue encontramos uma contradição, quando o poeta diz que em Pasárgada tem tudo, e que é outra civilização, quando na estrofe anterior ele manda chamar a mãe d’água para lhe contar histórias, isso nos leva a entender que mesmo indo pra Pasárgada ele terá de levar consigo coisas da sua terra e mesmo tendo coisas novas ele precisa ainda mais das coisas antigas, ou, digamos, do tradicional, do passado, assim como nos mostra, Vera Maria Antonieta Tordino Brandão:

Quando vamos ao encontro do passado, por meio da memória, partimos do presente. É do hoje que parto rumo ao passado. Trago comigo a memória dos tempos: um tempo externo, Cronos – objetivo, históricos, datado, irreversível; e um tempo interno, Kairós – subjetivo, vivido, reversível. Este último é, também, o tempo do mito, do místico, das religiões – um tempo circular – que, a cada narrativa, reinicia o ciclo e o círculo que lhe dá novo significado, e o conserva. [6]

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

Eis, agora, na última estrofe, um grande paradoxo em que o poeta se encontra, pois sendo Pasárgada um lugar possível de escapar de vários problemas, ou seja, um lugar onde a existência é uma aventura sem nenhuma consequência, ele, Manuel Bandeira, fala justamente da tristeza e da morte de quando estiver mais triste do que já é a sua própria vida, uma tristeza de grandes consequências, sem retorno, ao ponto de lhe dar vontade de morrer; aí, já sendo amigo do rei, como foi seu otimismo e forte desejo na primeira estrofe, ao invés de ter a mulher que ele quer, agora ele utiliza o verbo ter no futuro dizendo que terá a mulher que quer na cama que escolherá, ou seja, inverte tudo o que disse logo na introdução do poema:

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Assim sendo, Bandeira mostra em seu poema a vida como ela é: cheia de contradição, paradoxo, ironia e sem nenhuma linearidade como muitas vezes se exige que ela seja.    


*Aluno do Curso de Especialização em Literatura Brasileira – UFRN


REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Magia, Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad., apresentação e notas de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1995. (Obras escolhidas I)
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia de Letras, 2000.
BORHEIM, Gerd. A. (et. al.) O conceito da tradição: In:____, Tradição/Contradição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987, p. 13-
BRANDÃO, Vera Maria Antonieta Tordino. Labirintos da memória: quem sou¿ São Paulo: Paulus, 2008 (coleção questões fundamentais do ser humano, 7)
CANDIDO, Anatonio. Entre Campo e Cidade. In: ____, Tese e antítese: ensaios. 4 ed. São Paulo: T. A. Queirós Editor, 2000.
_____ Os parceiros do rio bonito. Estudo sobre os caipiras paulistas e a transformação de seus meios de vida. 10 ed. São Paulo: Editora 34, 2003.
HAMBURG, Michael. A cidade e o campo: fenótipos e arquétipos, in: ____, A verdade da poesia. Tensões na poesia modernistas desde Baudelaire. Trad. Alípio Correia de França Neto. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 373-446
SCHWARZ, Roberto. A carroça, o bonde e o poeta modernista. In:____, Que horas são¿ Rnsaios, São Paulo: Companhia de Letras, 1987, p. 11-28
LE GOFF, Jacques. Por amor à cidade: conversações com Jean Lebrun. Trad. Reginaldo Carmello Correia de Moraes. São Paulo: Editora Unesp, 1998.
RAMOS, Graciliano. A propósito da seca. In:____, Linhas Tortas, 21 ed. Rio de Janeiro. Record, 2005, P. 186-190.
WILLIAMS, Raymond. O Campo e Cidade na História e na Literatura. São Paulo: Companhia de Letras, 1973.     

REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES

BANDEIRA, Manuel. Bandeira de bolso: uma antologia poética: organização e apresentação de Mara Jardim – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Bandeira





[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Bandeira
[2] BANDEIRA, Manuel. Bandeira de bolso: uma antologia poética: organização e apresentação de Mara Jardim – Porto Alegre, RS: L&PM, 2008.

[4] Berman, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia de Letras, 2000.

[6] Brandão, Vera Maria Antonieta Tordino. Labirintos da memória: quem sou? São Paulo: Paulus, 2008 (coleção questões fundamentais do ser humano, 7)

2 comentários:

  1. Amigo Meu,

    Não me surpreende o que você escreve, conheço e sei quão estudioso você é. Este ensaio tão bem cuidado é mais trabalho admirável.

    Parabéns! Poeta, ensaista,m contistas, comancista e muito mais.

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    1. Obrigado, amiga minha!

      Sei que também és uma mulher muito talentosa e tens as mesmas qualidades e capacidades intelectuais. Abraços poéticos!

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